O Poti/Diário de Natal - Quando o senhor começou com esse estudo em relação ao avanço do mar?
Foto: Ana Amaral/DN/D.A Press |
Qual é a importância dessa região do litoral Norte?
É o único lugar do país com exploração de petróleo na região de zona de intermaré, que é basicamente a praia. Não era assim quando a empresa instalou esses poços, o mar estava distante no final da década de 1980. Ao longo de 20 anos o mar avançou. Fomos estudar essa região muito dinâmica do ponto de vista geológico. São estruturas de ilhas barreiras, que é o mesmo enquadramento que tem em Galinhos. A ilha se encontra com o continente e forma uma península e em alguns momentos tem abertura de canais de maré, o que cria as ilhas. É um processo natural, mas nessa região há um complicador. São fatores que se integram ao processo erosional mais intenso. Tem falhas geológicas, temos um problema de ventos elísios constantes. São ventos muito fortes e contínuos. Eles tiram material da praia e alimentam as dunas que ficam atrás da praia. Tem a ação das ondas e principalmente a ocupação dos estuários com atividades econômicas. Você tem a indústria do petróleo, antes dessas já tinha a indústria do sal. Essas áreas são muito baixas e são áreas onde o mar precisava desse espaço para conseguir naturalmente fazer o seu processo costeiro. Acontece que tudo isso se organiza contra o que nós entedemos como processo costeiro natural do mar, que traz sedimentos em determinadas épocas do ano para praia e engorda a praia, e em outras épocas retira. Isso é o natural de todos os litorais do mundo.
Mas o que aconteceu com o litoral do RN?
O que a gente tem assitido nos últimos anos é que o processo de reposição não está retornando mais na mesma proporção que é retirado. Ao longo dos anos percebemos um pequeno equilíbrio, depois há um desequilíbrio erosivo.
Quais as consequências desse déficit de sedimentos?
A partir do momento que você impede que o mar alcançe uma linha mais interior do continente por ocupação daquele espaço, por exemplo, você constrói um bairro inteiro em uma zona costeira, você faz um muro de proteção e impede que o mar chegue um pouco mais adiante, onde o mar já chegou no passado. Ele não tem mais aquele ponto que nós chamamos de célula sedimentar, para ele retirar aquele material e colocar na praia. Nós tínhamos muitos rios que jogavam o material no mar. Hoje são rios barrados. Esse é um dos grandes problemas também. Temos percebidos que as barragens impedem que o material mais grosseiro chegue, e temos muito material fino chegando e pouco fica na praia. Nas zonas costeiras as pessoas pensam muito mais no aspecto recreativo do que na praia como proteção. A praia é uma proteção para o efeito das ondas. O que nós assistimos em Ponta Negra, área de interesse turístico e social, é que construíram uma grande estrutura e trouxeram a cidade além do limite do mar. Hoje o mar está cobrando esse espaço de volta.
Vale a pena recuperar o calçadão de Ponta Negra ?
Você tem que analisar. É o que a gente chama de manejo de gerencimento desse espaço. Hoje nós temos uma série de atividades instaladas, obviamente o mar já esteve nessas instalações onde nós temos a infraestrutura operando. Tem que se pensar muito em preservar esse espaço, em adequar esse espaço as novas características que estamos observando. O que a gente fala muito hoje é que nós temos uma dificuldade grande de perceber a praia de Ponta Negra recuperando aquilo que nós já vimos há pouco tempo atrás, em relação ao volume de areia. Existem ações de engenharia que são possíveis de serem feitas. O grande problema para que você execute qualquer plano, qualquer planejamento para controle de sustentação do que for instalado lá, como o calçadão, você precisa fazer um levantamento de dados básicos. Precisa conhecer o processo costeiro. Precisa saber se aquela praia tem o poder de recuperação.
A praia sofre o processo erosivo?
A gente tem que se perguntar se ela tem condições de se recuperar sozinha. Existem duas situações: uma é a imediata e reativa. Hoje nós enfrentamos o problema do calçadão desmoronado que afeta a vida da população que usa aquele espaço. As obras corriqueiras feitas ao longo dos anos não estão sendo satisfatórias porque o mar consegue desmontar. Mesmo para essas ações você precisa ter o mínimo de conhecimento para saber como o mar e a praia estão se comportando e nós não temos esse levantamento porque ele não pode ser feito de um tirada só de informações. Você precisa entender como o mar funciona ao longo do ano. A gente precisa entender isso em um ciclo temporal para que a gente atue. E nós precisamos de uma escala um pouco mais a longo prazo. Todas essas áreas que são ocupadas no mundo e que tem interesse da gestão em preservar aquilo como praia, é preciso manter o processo de monitoramento. Precisamos entender a praia ao longo de décadas. Aí não é só a questão de consertar o calçadão, essa estrutura que precisa ser feita, pode ser feita no momento, mas é preciso algum conhecimento.
Existe saída para a situação de Ponta Negra?
Existe estrutura que pode ser construída ali, que seja mais eficientes.
O aterramento é uma delas ?
Não sei esse aterramento como está sendo colocado, mas existem estruturas capazes de solucionar um problema daqueles com o mínimo de conhecimento. A gente acredita que pegando as principais estações do ano, fazendo medidas onde as marés são mais intensas, tendo umhistórico de informações de vento, as pessoas conseguiriam modelar o comportamento da praia nesse período mais curto. Com essa informação na mão de engenheiros poderiam ser modeladas as estruturas que eles usariam na praia. Não adianta querer fazer uma obra imediatista de recuperação sem informações das condicionantes daquele ambiente, que é a praia, e todas as condicionantes do mar. O nosso interesse quando discutimos com alguns gestores foi dizer que em Natal existem técnicos com capacidade para fazer esse levantamento.
Ponta Negra é a praia que mais sofre com o avanço do mar no litoral potiguar ?
É a que se mais sente. Ela é a que mais chama atenção pelo ponto de vista turístico. Mas nós temos no litoral Norte, São Bento do Norte, a cidade já precisou mudar de local. Existem outros trechos, mas não são habitados. Na região de Macau e Guamaré existe um problema que é a Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Ponta do Tubarão. Ela é protegida por ilhas de areia e são as que mais se movem. A praia de Macau é extremamente dinâmica. A previsão é que aquelas ilhas acabem sumindo.
A situação de Macau é de certa forma uma previsão ?
Fazemos prognósticos de cenários futuros, que são feitos em todas as nações que estão ocupando áreas baixas, próximas do nível do mar, para que ela tome uma ação.
Isso ocorre com as praias de Natal ?
Estamos tentando levantar esses dados. Nós temos dados espaciais de satélites e de imagens do passado. Mas não temos um levantamento de vento, de ondas e de correntes. O que nós temos é muito pouco para um trecho de praia muito longo. As obras que são instaladas nas praias precisam ser pensadas no sistema de praia. Nós temos um litoral extenso e com um avanço do mar que raramente se vê em outros locais.
Touros é um exemplo do avanço do mar no RN?
Touros é um exemplo, mas se você pegar todas as praias do Rio Grande do Norte, todas vão ter um quadro de erosão mais intenso do que se tinha no passado. Tem várias praias no litoral Norte e no litoral Sul. O Rio Grande do Norte é o "hotspot"da erosão. É o ponto quente. Ele tem uma confluência de fatores complicadíssimos. Nós temos o litoral Oriental diferente do Norte. Aqui praias arenosas e mais falesias, que de certa forma são barreiras naturais para o nível do mar. Mesmo assim, as praias arenosas passam pelo processo de erosão. Até praias abrigadas por arrecifes, como a praia do Meio, que todo ano o calçadão está caindo. O desafio é fazer uma estrutura que sustente, não se desmorone a cada episódio.
Com relação ao restante do litoral brasileiro, o RN tem um processo de erosão mais intenso?
Esse é um quadro do mundo inteiro. Mas o Rio Grande do Norte, pela questão geomorfológica do estado e essas associações com praias arenosas, é um dos mais complexo comparado aos piores do mundo.
Que praia do nosso litoral neste momento precisa tomar mais cuidado?
Sem dúvida essas praias que são mais ocupadas, que tem uma pressão econômica e social muito intensa. Hoje você tem que gerenciar esse problema. Se ele aconteceu no passado, com a falta de informações e de dados, mas o complicador aconteceu hoje, não é por isso que vai jogar isso mais para frente. A primeira coisa é conhecer a praia. Vamos conhecer esse litoral de forma séria. Esses dados servem de informações como modelo para a gente buscar soluções de engenharia.
Além do grupo que o senhor coordena existem outros no estado estudando sobre o avanço do mar?
O grupo que faz estudos relacionados à zona costeira é um grupo só dentro da instituição. Eu desconheço se existe outro grupo.
Vocês já fizeram alguma proposta ao Município ou ao Estado para realizarem esse estudo ?
Nós fizemos uma proposta para Ponta Negra para um primeiro levantamento, utilizando dados testados nas praias do litoral Norte, que é um grande laboratório a céu aberto porque são muito difíceis de monitorar. Lá estabelecemos uma série de metodologias que serviriam para o estado por causa das características geológicas. A gente fez essa proposta em um convite que a prefeitura fez para que a gente sentasse à mesa e discutisse essaquestão. A gente acha que qualquer solução para Ponta Negra não vai ser encontrada da noite para o dia. Fizemos uma proposta que buscava um primeiro grau de levantamento de dados, que seriam abordados por 12 meses, todo ciclo de estações do ano. Esses dados seriam um elemento importante para os engenheiros continuarem uma estrutura mais bem planejada, mas obviamente isso tem um custo.
Qual foi a resposta da Prefeitura ?
Foi negativa. Eles não têm recursos para isso.
Esse estudo gira em torno de quanto?
Em torno de R$ 1 milhão, mas obviamente depois desses estudos, você tem o modelo que serve de base para a engenharia dizer o que é mais adequado. Dentro da universidade não faltam pessoas, você tem os melhores grupos do país. O que a gente está fazendo hoje em Ponta Negra é tudo recurso da equipe. Nós vamos fazer um esforço porque temos compromissos. Mas já temos dados. Os primeiros dados que eu poderia te mostrar já são informações importantes para os gestores. O que deixa a gente preocupado é que as pessoas falam em conserto, mas a gente não vê um estudo sério. E quando percebemos um estudo é muito curto. E não é dessa forma, precisa ser feito um levantamento ao longo do ano e nós seguimos protocolos que são internacionais, que já foram testados em outras partes do mundo. Mas o mínimo de informações já é útil para quem está com a responsabilidade de construir uma obra, que pelo menos dure um pouco mais, e que não seja dinheiro irresponsavelmente gasto.
Quais foram os dados coletados em Ponta Negra ?
Eu sigo um protocolo que foi estabelecido pela zona costeira da Europa e nos EUA tem semelhante. A intenção lá é fazer com que as pessoas se comprometam realmente a levantar dados preocupados com as adaptações que você vai ter que fazer daqui para frente. Precisa-se entender como a costa funciona, colocar os custos da erosão costeira na preocupação do estado - a gente não pode ser pego de surpresa - estabelece responsabilidades, alguém tem que chegar e assumir a responsabilidade para si e reforçar a base de dados. A área que escolhemos trabalhar foi a partir do Morro do Careca até o (Hotel) Ocean, são quase 5km. O trecho de dois mil metros avaliado foi do começo do calçadão perto do morro a até chegar na curva de subida. Isso começou a ser feito em abril, que teve um processo erosivo bem intenso e depois em maio. Comparando os dois meses, o volume de areia perdida é de 20 mil metros cúbicos, o que representa duas mil caçambas de areia. Esse é o quadro de um mês. Existem momentos que a praia pode ganhar areia, precisa monitorar para saber. O volume de duas mil caçambas em um mês é um dado que o gestor deveria saber. As pessoas falam muito em engordamento de praia. A gente não pode engordar a praia sem fazer estudos a longo prazo. Nesse trecho de 5km foram perdidos 50 mil metros cúbicos de areia. São milhares de caçambas de areia perdidas em um mês.
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